SÉRGIO ADRIANO E A INCORPORAÇÃO DA PALAVRA
A obra de Sérgio Adriano se caracteriza por trazer em si esmero técnico, conceitual, político e talvez, principalmente, pela conscientização através da palavra, do “verbo”. Em tempos de destruição do país através de políticas suicidas calcadas em um individualismo extremo, Sérgio faz da palavra elemento fundamental na construção de uma poética potente que investiga a população negra no Brasil, marcada desde o berço, para ocupar espaços pré-determinados e de pouca visibilidade.
“Meus projetos são baseados em falar com as pessoas”, nos conta o artista. A palavra, apresentada no formato texto/imagem, tem papel destacado. Ela contém poder. Ao ser apropriada, traz em si potência, força, libertação. O “verbo” cria, como nos lembram algumas tradições culturais e religiosas. Na produção de Sérgio Adriano a linguagem aparece como estimuladora do pensamento, do sonhar, do questionar, do se ver como se é e, portanto, libertadora. Visualmente, o artista nos questiona a partir de imagens/nomes formados por tipos gráficos presos em seus lábios, ou estampando frases em roupas infantis que delimitam um lugar social. Ou, ainda, pela retirada de substantivos recortados a laser em páginas e capas de livros. Sérgio é antes tomado, “incorporado” pelas palavras que, buscando sair de si, se materializam em arte. PRETO, JUSTIÇA e FELICIDADE deixam de ser nomes incorpóreos para, literalmente, ocuparem a boca do artista transmutando-se em imagem/potência. JUSTIÇA VI (2018) evoca um pau de arara, lembrança terrível dos anos de chumbo no país e contrapõe vocábulo e visualidade formando um conjunto de fina ironia e dor intensa.
A palavra é sujeito/obra. Na peça Negro_a.Preto as definições do dicionário para o substantivo “Negro”, aumentadas pelo tamanho da impressão em lona, amplia nosso mal estar ao nos por diante de um racismo institucional bruto, perverso, herdeiro da casa grande e presente nas possíveis definições para esse termo.
O artista se desloca do ato de corporificar, através da escrita ou do montar palavras, para o recurso oposto, o de subtrair, recortando nomes, apagando-os, suprimindo-os. Curiosamente, esse jogo de supressão ao retirar substantivos de livros os torna mais fortes, mais presentes. Invertendo o ato de marcar as peles cativas, ao recortar a laser NEGRO em um livro sobre história da arte no Brasil o artista insere estes que foram banidos, retirados de tal cenário. Para reforçar tal ato carimba, para que não tenhamos dúvidas, a palavra “preto” dentro do “negro” recortado. Esses sujeitos, a partir dessa operação, ocupam um lugar na história que não lhes foi destinado. A subversão aqui presente dá vida ao retirar matéria e modificar a história e torna presentes os que foram deliberadamente “esquecidos”.
Curadora | Rosana Paulino